Este lindo texto foi escrito por uma cunhada muito querida.
Uma Hist�ria Como Poucas. |
Prof ª. Alzira Gonçalves da Silva |
Ela era a caçula entre os sete irmãos homens. Com o pai, formavam um exército de oito brutos, que arrancavam a comida da terra pouca e alheia que todos cultivavam com as mãos e o suor, inclusive ela.
A ignorância era a marca registrada de toda a família, menos da mãe, que, embora também não tivesse estudo, sabia o quanto era importante ler e escrever para ser gente.
Mas o trabalho era muito... Acordar antes do sol e dos homens para ajudar a preparar a rala bóia. Com eles, ir para a pequena roça e, às 10 horas, comer a comida já fria e sem gosto. Voltar às quatro da tarde e lavar a casa, a roupa e a si própria. Ao término de tudo, se jogar na cama, literalmente morta de cansaço físico e espiritual.
Faltava-lhe algo, ela tinha certeza. Mas o quê? Ela não sabia palavras que pudessem expressar o que sentia. Era isso!... Palavras.
Quando comunicou sua decisão de ir para a escola pela primeira vez, aos 12 anos, o pai enfezou, os irmãos riram e a mãe chorou por todas aquelas reações. Ela, no entanto, não se sentiu ameaçada.
Juntou as roupas ralas no saco de papel da mercearia e partiu sem olhar para a casa envolvida pela escuridão da madrugada.
Depois de dormir na calçada de terra na frente da escola, viu quando a mulher que chamavam de diretora chegou. Foi falar com ela. Queria se matricular e se a diretora dissesse que podia, ia procurar o emprego que precisava naquela cidade poeirenta que o progresso esqueceu de procurar. A diretora se comoveu e escolheu aquela magricela sardenta, de olhos esbugalhados, como babá de sua criança recém-nascida.
Mas, ainda assim, as coisas não ficaram fáceis.
Ela era uma estranha em sala de aula. Porque era a mais velha e a mais alta da turma, foi relegada à última fileira, na carteira do canto escuro. Assustada como bicho acuado, não cativou a professora, que vira e mexe a chamava de caipira e desajeitada, nomes que, definitivamente, afastavam os possíveis amigos... que nunca teve. Dias difíceis, de muitas lágrimas engolidas a seco.
Mas ela, definitivamente, era forte. Uma gigante de pouco mais de um metro de altivez.
Foram muitos dias de bricadeira com a criança herdada e mais noites duras de estudo. Os anos perdidos pareciam irrecuperáveis. Pareciam ...
Este ano ela se forma professora, de Português. A criança de que cuidou saiu da cidadezinha no mês passado e foi para a capital atrás do seu sonho de ser médica. Seguiu o exemplo da tutora.
Não faz muito tempo, Maria, como tantas outras Marias-modelo, voltou à pequena propriedade onde a família ainda mora. A mãe já não existe, mas a vizinha diz que ela morreu feliz, no tanque, porque uma de suas crias seria gente.
O pai, que proibiu sua figura naquelas terras por anos, ofendido que estava pelo que ele considerou desacato, agora é só orgulho. Já comprou até camisa nova para a formatura. Os irmãos pedem ajuda para alfabetizar os tantos sobrinhos.
Agora é ela quem sorri.