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domingo, 26 de dezembro de 2010

Múltipla Escolha


Livro de Lya Luft fala sobre enganos da modernidade

A autora de “Múltipla Escolha” mostra como estamos acomodados e diz que é possível nos abrirmos mais à vida e às diferenças

Renata Losso, especial para o iG São Paulo | 10/05/2010 18:07
Foto: Divulgação
Lya Luft: a autora discute os equívocos da humanidade em "Múltipla Esolha"

“Há muitas maneiras de encarar a nossa existência”. Com a primeira frase de seu novo livro, “Múltipla Escolha” (Edit. Record), a escritora Lya Luft já dá a dica de que, nas próximas páginas, irá refletir intensamente sobre as escolhas que tomamos ao longo da vida e, principalmente, sobre os “nossos enganos”, ações que ultimamente temos tomado para determinar nossas vontades; mesmo que não saibamos claramente como isso acontece.
Entre o desejo da eterna juventude, a “Síndrome do ter de”, o medo do diferente e a noção de liberdade nas relações familiares, Luft discorre sobre os males e novos dilemas da modernidade mostrando, com uma dose de otimismo, que há uma maneira de quebrar os mitos e, como ela mesma define, nadar contra a correnteza.
Em entrevista ao iG Delas, Lya Luft conta sobre algumas das reflexões feitas em “Múltipla Escolha” e convida o leitor a fazer o mesmo.

iGEm "Múltipla Escolha" você reflete sobre os “nossos enganos”, mitos criados para determinarmos desejos, escolhas e abafarmos angústias. Desde quando você passou a notar estes enganos do ser humano? 
Lya Luft: Desde muitos anos penso que nos enganamos quanto às nossas prioridades, e perdemos tempo, energia, alegria, correndo atrás desses falsos mitos apresentados pela nossa cultura. A passagem do tempo, a observação e o amadurecimento me deram uma visão mais clara disso.


iG: Você acredita que nós nos enganamos desta maneira em busca da felicidade? Há uma forma de “imposição” cultural em relação a estes enganos?
Lya Luft: Como digo no “Múltipla Escolha”, a coerção social é muito poderosa, e o espírito de manada, o desejo de nos adequarmos ao grupo, à tribo... o que não é ruim, mas quando excessivo nos infantiliza e nos inibe no nosso crescimento enquanto indivíduos e sociedade. A imposição cultural é muito forte, vinda de modelos que, em geral, são impossíveis e, muitas vezes, desastrados. Ambicionamos modelos, atletas, milionários, socialites, alguns ídolos que se destacam pelo uso de drogas, pela bizarria, entre outros aspectos.


iG: “A Síndrome do ter de” – ter de ser magro, ter de ser rico, ter de ser forte –, de que você fala em seu livro, pode ser considerada um dos paradigmas da modernidade? Você acredita que os aspectos físicos estão supervalorizados? 
Lya Luft: Logicamente o físico, o material, os bens, dinheiro, fama e celebridade são supervalorizados entre nós, no Brasil muito especialmente. Isso significa que, mais uma vez, perdemos muito em alegria também, porque raros de nós conseguem se assemelhar a tais modelos, portanto, nos frustramos. Ficamos apequenados e ignorantes, não sabemos votar direito, negligenciamos os afetos, nosso aperfeiçoamento, e nem buscamos uma visão um pouco mais inteligente, seja espiritualizada ou materialista, do que é a nossa vida. Poucos curtimos afetos, natureza, o bom e o belo que estão ao alcance de todos. Afundamos facilmente nas drogas, esquecemos valores, negligenciamos família e depois nos atordoamos e anestesiamos com drogas, álcool, velocidade, medicamentos, perda de tempo.


iG: Você diz em seu livro que estamos “pouco exigentes”. Quais são os principais objetivos que o ser humano busca para tentar satisfazer-se atualmente? E o que você acredita que deve ser repensado nestas buscas? 
Lya Luft: Pouco exigentes de um lado, muito exigentes do outro. Pouco exigentes pelo tipo de valores que queremos como a beleza física, cartões de crédito, viagens que nem aproveitamos porque nos falta cultura e informação – a gente só quer mesmo os bares, as butiques, as lojas –, e muito exigentes porque nos cobramos demais, e por coisas bobas. Nos respeitamos pouco: não escutamos nosso interior, onde a voz mais profunda, que nunca cessa, nos pode dizer o que de verdade precisamos para termos um pouco mais de harmonia conosco, com os outros, com o mundo: isso que chamo felicidade lúcida.


iG: Você acredita que hoje está mais fácil ou mais difícil de nos sentirmos satisfeitos? Por quê?
Lya Luft: Mais fácil almejarmos muitas coisas, mais difícil atingirmos certo contentamento, que não é inércia nem acomodação, mas um viver mais criativo. Podemos comprar o mundo em noventa prestações, mas fica por aí mesmo...


iG: “Querer ser igual é negar a própria essência”. Com esta frase de seu livro, como você acha que o ser humano lida com isso atualmente, homens e mulheres?
Lya Luft: Aceitar as diferenças, essa dança dos desiguais que é a vida, o convívio, a família, o trabalho, etc, é um tipo de sabedoria que a gente devia buscar. A guerra eterna e fútil entre os gêneros, por exemplo; alguns dos conflitos familiares mais cruéis e sem sentido; a ignorância sobre nós mesmos; muito vem desse mito de que devemos ser iguais, quando poderíamos tentar curtir, cultivar, respeitar, crescer em nossas naturais diferenças. A guerra podia ser mais elegante e produtiva.


iG: Em “Múltipla Escolha”, você reflete muito sobre como temos dificuldade em curtir a fase na qual nos encontramos, como quando, na fase adulta, queremos voltar a ser jovens. Como este desejo influencia nossas vidas e como aceitar as diferentes fases da vida com mais facilidade?
Lya Luft: O mito da eterna juventude, a tolice de que só jovens são bonitos, sensuais e felizes é muito destrutivo. Pois vemos a vida como decadência, e não como crescimento. O corpo pode encolher, mas não há razão para que a mente e a alma não continuem se expandindo. Assim, viver torna-se aflitivo, frustrante, e leva alguns a cedo desistirem de crescer como pessoas, outros a uma busca “automutiladora” de deter o tempo, isto é: o crescimento interior. Então, numa época em que podemos viver muito mais com mais qualidade, queremos ser uma humanidade de adolescentes eternos.


iG: Como você acha que os pais lidam com os filhos atualmente? As relações familiares podem ajudar a sermos mais compreensivos uns com os outros em sociedade? 
Lya Luft: A família é o primeiro grande treinamento para o convívio no mundo exterior, desde escola, trabalho, futura família, sociedade maior, mundo. A competição, a tolerância, as discussões, o exercício da ternura e até a raiva salutar nos formam e conformam. O reconhecimento da autoridade (sem subserviência) e o exercício dela (sem tirania) fazem parte dessa educação para a vida, que continua até o ultimo suspiro... portanto os pais sempre continuam educando. A crise de autoridade, no Brasil, por exemplo, leva a situações absurdas na família e na escola, com filhos e alunos mandando e comandando, falta de educação, de elegância, de alegria no convívio. Isso se liga a varias noções falseadas de psicologia que, no fundo, pensando exaltar a personalidade, a enfraquecem.


iG: Entre as múltiplas escolhas que podemos fazer na vida, qual você acha que deve ser tomada e qual deve ser deixada de lado? 
Lya Luft: Muitas, mas, por exemplo, é uma pena escolher acomodar-se, escolher seguir modelos tolos (a gente nem analisa), e seria bem melhor escolher parar para pensar e repensar e, quem sabe, aqui e ali tentar melhorar em lucidez e vontade. Enfim, começar a criar uma sociedade mais informada, mais justa, mais produtiva, mais aberta à vida, a valores mais interessantes e, insisto, com mais alegria. Pois acho que estamos muito agitados, e pouco alegres; muito atordoados e pouco informados; muito anestesiados, e pouco conscientes. Dá pra melhorar, pelo menos um pouco.

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