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domingo, 26 de dezembro de 2010

PREGUIÇA DE SOFRER

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VEJA QUE ESPETÁCULO DE FILOSOFIA DE VIDA.....


*Preguiça de sofrer* - Zuenir Ventura
Há 26 anos, elas cumprem uma alegre rotina: às sextas-feiras pela manhã sobem a serra e descem aos 
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             
domingos à tarde,quando não permanecem a semana toda lá, em sua casa de Itaipava, distante hora 
e meia do Rio.
São quatro irmãs de sobrenome Sette - Mily, a mais velha, de 86 anos;
Guilhermina (84), Maria Elisa (76) e Maria Helena (73) - mais a cunhada Ítala (87), a prima Icléa (90) e 

a amiga de mais de meio século, Jacy (78)
O astral e a energia da "Casa da sete velhinhas" são únicos.

Elas cuidam das plantas, visitam exposições, assistem a shows, lêem, jogam baralho, conversam, discutem 

política, vêem política, televisão, fazem tricô, crochê e sobretudo riem.


Só não falam e não deixam falar de doença e infelicidade.

Baixaria, nem pensar. Quando preciso tomar uma injeção de ânimo e
rejuvenescimento, subo até lá, como fiz no último sábado.

Já viajamos juntos algumas vezes, como a Tiradentes, por cujas
redondezas andamos de jipe, o que naquelas estradas de terra é quase como andar a cavalo. Tudo numa boa.

Elas têm uma sede adolescente de novidade e conhecimento.

Modéstia à parte, são conhecidas como "As meninas do Zuenir". Me dão a maior força.
Quando sabem que estou fazendo alguma palestra no Rio, tenho a garantia de que a sala não vai ficar vazia.
São meu público cativo e ocupam em geral a primeira fila.
Numa dessas ocasiões, com a casa cheia, elas chegaram atrasadas e
fizeram rir ao se anunciarem a sério na entrada:
"Nós somos as meninas do Zuenir".

Nos conhecemos nos anos 70, quando morávamos no mesmo prédio no Rio e Maria Elisa, que é química, 

passou a dar aulas particulares de matemática para meus filhos, ainda pequenos, de graça, pelo prazer de 
ensinar.
Depois nos mudamos, continuamos amigos e nossa referência passou a ser a casa de Itaipava, onde minha 
 
mulher e eu temos um cantinho, um pequeno apartamento na parte externa da casa, os "Alpes suíços".

No começo, o terreno não passava de um barranco de terra vermelha.Hoje é 

um jardim suspenso, com árvores e flores variadas que constituem uma atração 
para os pássaros.Dessa vez, não cheguei a tempo de ver a cerejeira florida, mas em
compensação assisti a uma exibição especial de um casal de papagaios.

O interior da casa é um brinco, não fossem elas meio artistas, meio
artesãs, todas muito prendadas, como se dizia antigamente. Helena e Jacy, 

por exemplo, tecem mantas e colchas de tricô e crochê que já mereceram 
exposições.

Mily desafia a idade preferindo as novas tecnologias e a modernidade,sem 

falar no vôlei, de que é torcedora apaixonada. Sabe tudo de computador e, com 
Jacy, freqüenta todos os cursos que pode: de francês a ética, de inglês a filosofia.

Na parede, Tom Jobim observa tudo. A foto é autografada para Elisa, de 

quem ele foi colega no Andrews. Aliás, nesse colégio da Zona Sul do Rio,
Guilhermina trabalhou 53 anos, como secretária e professora de Latim,
que ela ensinava pelo método direto, ou seja, falando com os alunos. Ficou 

muito feliz quando na praia ouviu, vindo de dentro do mar, o grito de alguém 
no meio das ondas, provavelmente um surfista: "Ave, magister!".

Amiga de personagens como o maestro Villa-Lobos, ela ajudou ou
acompanhou a carreira de dezenas de jovens que passaram por aquele 

tradicional colégio, cujo diretor uma vez lhe fez um rasgado elogio público, 
ressaltando o quanto ela era indispensável ao educandário. No dia seguinte, 
ela pediu as contas, com essa sábia alegação: "Eu quero sair enquanto 
estou no auge, não quando não souberem mais o que fazer comigo".

Foi para casa e teve um choque, achando que não ia suportar a
aposentadoria.

Durou pouco, porque logo arranjou o que fazer. É tradutora e gosta
muito de etimologia: adora estudar a vida das palavras desde suas origens, 

principalmente quando são gregas.

Ah, nas horas vagas faz bijuterias. Para explicar como se desvencilhou
do vazio de deixar um emprego de 53 anos e começar nova vida já velha, 

Guilhermina usou uma frase que se aplica a todas as outras seis
velhinhas e que eu gostaria de adotar também: "Tenho preguiça de sofrer".

Não são o máximo as meninas do Zuenir?






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